Ministros também decidiram que o ICMS a ser excluído é aquele destacado em nota fiscal
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (13/5), que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins vale a partir de 15 de março de 2017, data do julgamento do mérito da questão. Os ministros optaram por uma modulação “para frente”, sem efeitos retroativos, e apenas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data do julgamento de 2017 estão ressalvadas. Os ministros também definiram que o ICMS a ser retirado da base das contribuições é aquele destacado em nota fiscal.
De uma forma geral a posição do Supremo é favorável aos contribuintes. Isso porque apesar de ressalvar apenas as ações ajuizadas até 2017 há a definição de que o ICMS a ser retirado é o destacado, e não o efetivamente pago, como defendiam a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Receita Federal.
Na prática, com a decisão do Supremo, os contribuintes que entraram com ações judiciais até 2017 podem ser restituídos da cobrança indevida do tributo em relação aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, tanto no Judiciário, quanto em órgãos administrativos, como as delegacias da Receita Federal e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Aqueles que não entraram com ações judiciais até 15 de março de 2017 podem pedir restituição se pagaram, indevidamente, o PIS e a Cofins com a inclusão do ICMS a partir desta data. Afinal, pela decisão do Supremo, a partir de março de 2017, o ICMS não compõe mais a base de cálculo das contribuições.
O contribuinte que estava pagando pelo ICMS recolhido, conforme orientação da Receita Federal na solução de consulta 13/2018, também pode pedir a diferença paga indevidamente.
O julgamento dos embargos de declaração interpostos pela Fazenda Nacional no RE 574.706 eram esperados há quatro anos e deveria responder a duas perguntas principais trazidas pelo fisco: a partir de qual momento o ICMS deveria ser retirado da base das contribuições e se o ICMS a ser retirado deveria ser o efetivamente pago ou o destacado em nota fiscal.
A modulação vencedora, por 8 votos a 3, foi proposta pela relatora, ministra Cármen Lúcia. A ministra salientou que o STF, desde 2014, proferiu decisões favoráveis à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, porém, com outra composição e sem repercussão geral. Assim, para manter a segurança jurídica seria necessária a modulação.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio. Os magistrados votaram para permitir que a decisão favorável aos contribuintes retroagisse, sendo possível a restituição de valores de PIS e Cofins recolhidos indevidamente.
A posição de Cármen Lúcia também foi predominante quanto à dúvida trazida pela Fazenda sobre qual ICMS deve ser retirado do PIS e da Cofins. Por 8 votos a 3, os ministros decidiram pelo destacado em nota fiscal, o que privilegia os contribuintes. Os ministros Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes discordaram da relatora e saíram derrotados.
O julgamento dos embargos põe fim à maior questão tributária analisada pelo Supremo nos últimos anos. A PGFN calculava impacto de R$ 258,3 bilhões caso não houvesse qualquer tipo de modulação. A estimativa dizia respeito ao ICMS efetivamente pago, e, segundo o fisco, para ICMS destacado, o “impacto se multiplicará a valores imprevisíveis”.
Em webinar promovido pelo JOTA, o procurador da Fazenda Nacional Leonardo Alvim afirmou que 78% das ações sobre o tema foram impetradas depois da decisão de 2017, no entanto, não especificou o impacto dessa quantidade de decisões sobre os R$ 258,3 bilhões.
A análise dos embargos interessava ao governo federal e às empresas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu pessoalmente com o ministro-presidente do Supremo, Luiz Fux, para pedir a modulação. Por outro lado, os contribuintes alegavam que a modulação poderia trazer prejuízos econômicos, insegurança jurídica, aumento do Custo Brasil e fuga de investimentos.
O placar de oito votos pela modulação totalizou o quórum de 2/3 da Corte. Assim, os ministros não adentram na discussão sobre a possibilidade de a modulação em recurso extraordinário ser feita com seis magistrados. Acompanharam Cármen Lúcia os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio se posicionaram contrários à modulação.
Na sessão desta quinta-feira (13/5) o ministro Nunes Marques abriu a divergência quanto à distinção do ICMS a ser retirado da base de cálculo do PIS e da Cofins. O magistrado votou alinhado ao fisco para que o ICMS seja o efetivamente pago, e não o destacado em nota fiscal. Na prática, o posicionamento é prejudicial às empresas, uma vez que o ICMS pago tende a ser inferior ao destacado em nota fiscal por conta do uso de créditos.
“Caso adotemos que o ICMS seria o destacado em nota, teria uma verdadeira dedução cumulativa, valor superior ao tributo recolhido aos estados-membros”, afirmou o ministro durante a leitura do voto. “Se enveredamos pela tese do ICMS destacado em nota, haverá enriquecimento sem causa do contribuinte”, complementou.
O ministro justificou voto distinto proferido em decisão no TRF1 sobre a mesma temática. Segundo ele, na ocasião, ele votou pelo colegiado, que era a favor do ICMS destacado em nota fiscal, por isso, ele acompanhou. Quanto à modulação dos efeitos, Nunes Marques acompanhou a relatora.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou a relatora Cármen Lúcia. Durante o seu voto, o magistrado criticou a tese trazida pela Fazenda Nacional de diferenciar o ICMS pago do destacado em nota fiscal. “Enquanto havia a tributação para a Receita, a União nunca reclamou que era o destacado na nota, agora a União vem dizer que não há essa possibilidade de se destacar na nota. Ou antes tinha uma interpretação abusiva ou agora essa interpretação será errônea. Durante todo esse período a união recolhia o ICMS destacado na nota”, afirmou o magistrado
Moraes também destacou que a modulação é pertinente porque houve uma virada jurisprudencial sobre a questão. O ministro citou os dados da PGFN de que, dos 56 mil processos mapeados sobre o assunto, 78% foram ajuizados após a decisão do STF, em 2017. “Se não houver modulação, serão mais milhares e milhares de ações”.
Na sequência, votou o ministro Edson Fachin contrário a qualquer modulação e rejeitando a distinção de ICMS pago ou destacado. “Nada a aclarar, não há necessidade de enfrentar qualquer vício que venha a perturbar a decisão tomada. Não é mais momento de dar efeito de ação revisória”, afirmou. Fachin também questionou a cifra de R$ 258,3 bilhões trazida pelo fisco. Segundo ele, as contas não são precisas.
O posicionamento do magistrado permitiria que a decisão favorável aos contribuintes retroagisse e que fosse possível a restituição de valores de PIS e Cofins recolhidos indevidamente. Para o magistrado, a perda de arrecadação não pode ser utilizada como argumento para pedir uma modulação desfavorável aos contribuintes. “[A União] não pode aproveitar-se de sua displicência e imputar aos contribuintes ônus de arcar com os valores que foram indevidamente arrecadados”, afirmou durante o julgamento.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou a divergência de Nunes Marques e entendeu que é preciso diferenciar o ICMS a ser retirado da base de cálculo do PIS e da Cofins. “O ICMS destacado na nota inclui não apenas o valor do tributo que o contribuinte terá que pagar, como também o ICMS que incidiu na operação anterior. Esse ICMS na operação anterior vai gerar direito a creditamento e compensação, não é um valor recolhido pelo contribuinte. Não se tratando, portanto, de parcela a ser recolhida, não vejo razão para ela estar na base de cálculo”. Barroso acolheu a modulação proposta pela relatora.
A ministra Rosa Weber acompanhou o entendimento do ministro Edson Fachin: sem modulação e sem distinção entre o ICMS pago e destacado em nota fiscal. “Não há razões jurídicas suficientes para justificar a modulação de efeitos”.
O ministro Dias Toffoli acompanhou integralmente Cármen Lúcia. Ele lembrou que, na época do julgamento, ele entendeu pela compatibilidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins com a Constituição Federal. O ministro Ricardo Lewandowski também votou com a relatora, que, segundo ele, encontrou “solução equilibrada e razoável”.
Já o ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência trazida por Nunes Marques, com ICMS efetivamente pago e modulação. “A modulação não é uma escolha do juiz, é uma imposição da força normativa da Constituição”, afirmou durante o voto.
O ministro Marco Aurélio votou como Fachin e Rosa Weber: contrário à modulação e a favor do ICMS destacado em nota fiscal. “A modulação não se coaduna com processo subjetivo”. Por fim, o presidente do STF, Luiz Fux, acompanhou a relatora, que, segundo ele, “não deixou pedra sobre pedra” em seu voto.
Em nota enviada à imprensa, a PGFN explicou que as ações judiciais ressalvadas constituem a minoria dos contenciosos sobre o assunto. Segundo a entidade, com a decisão do Supremo “ficaram definitivamente resguardados os valores recolhidos aos cofres públicos com a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins até o julgamento de março de 2017”.
A nota ainda diz: “O encerramento desse julgamento resolve, definitivamente, a principal controvérsia tributária do país, sendo inequívoco que o parcial acolhimento dos embargos opostos pela Fazenda Nacional reduzirá o gigantesco impacto que o acórdão, sem essa ressalva, teria sobre as finanças públicas.”
Na análise de Matheus Bueno, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, o julgado traz segurança fiscal às empresas. Segundo ele, desde 2017, os contribuintes vêm adotando diferentes posturas sobre a questão: houve empresa que parou de pagar o ICMS no PIS e Cofins, outras continuaram pagando mesmo com a ação transitada em julgado. “A partir desse julgado não há desculpa para as empresas não mudarem sua rotina, seja reconhecendo créditos ainda não capturados, reduzindo a base fiscal futura e renegociando preços com fornecedores”.
Para o tributarista José Eduardo Toledo, o contribuinte saiu vitorioso, “pois acabou qualquer dúvida sobre qual o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, sendo que o STF referendou o que já havia dito: é o destacado na nota fiscal. Assim, a solução de consulta Cosit 13/2018 perdeu seus efeitos e os contribuintes poderão recuperar o valor correto, logicamente, observando as respectivas ações judiciais”.
Breno Vasconcelos, pesquisador do Insper e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, explica que, na prática, contribuintes que não ajuizaram ações para questionar a incidência poderão, a partir de agora, excluir o valor do ICMS destacado em suas notas, da base de cálculo do PIS e da Cofins.
“Também terão direito a recuperar os valores de PIS/Cofins pagos sobre o ICMS destacado de 16/3/2017 até hoje e, caso já tenham deixado de tributar essa parcela, não poderão ser autuados pela Receita Federal. Já os contribuintes que, em 15/3/2017, possuíam ações judiciais ou processos administrativos em que se discutia o tema, deverão observar as respectivas datas de ajuizamento das ações ou dos fatos geradores questionados nos processos administrativos, para avaliar o valor a ser recuperado”, explica.
Fonte: FLÁVIA MAIA / BÁRBARA MENGARDO
13/05/2021