Apesar de ser esse o posicionamento defendido por grande parcela de juristas, os órgãos de persecução penal têm entendido que a sonegação fiscal constitui, efetivamente, em um acréscimo ao patrimônio do agente. Defende-se que, ainda que não represente um aumento imediato, caso houvesse o repasse ao Fisco, provocaria diminuição do capital, ou tornaria a atividade menos lucrativa.
A sonegação fiscal, então, ocorre justamente para que não haja a incidência/pagamento de tributos sobre determinadas transações, o que provoca maior lucratividade e renda ao agente que a praticou. Seriam os denominados “gastos economizados”, que correspondem à quantia de fato sonegada, nunca à totalidade do valor, o que permitiria, num primeiro momento, a caracterização da lavagem de dinheiro.
Em um segundo momento, o crime de lavagem de dinheiro, para que seja caracterizado, exige o exaurimento da via fiscal administrativa, isto é, que o débito tributário tenha sido definitivamente constituído. Trata-se de entendimento consolidado no STF pela Súmula Vinculante nº 24.
Caso ainda esteja em discussão, não haveria que se falar em sonegação fiscal e, logo, em lavagem de dinheiro, que exige o cometimento de um crime anterior.
Por fim, ainda há uma terceira polêmica envolvida, porque a lavagem de dinheiro pressupõe a existência de atos que mascarem, dissimulem ou ocultem o valor produto do crime, que seria o valor proveniente da sonegação fiscal.
Nesse ponto, importante esclarecer que o Direito não pune a simples utilização do produto de infração penal, porque isto é apenas o exaurimento do crime. Assim, a mera ocultação não gera responsabilização criminal, pois é necessário um processo, um esquema de lavagem.
O próprio STF já definiu que a lavagem pressupõe atos de ocultação autônomos do crime anteriormente praticado. Caso assim não fosse, seria, por exemplo, crime de lavagem esconder o dinheiro embaixo da cama, após um roubo.
Assim, é imprescindível atos concretos que evidenciem se tratarem de condutas autônomas e distintas.
A título de exemplo, a simples utilização direta do valor proveniente do crime fiscal na própria atividade empresarial não caracterizaria o branqueamento de capitais. Ninguém “sonega” para ficar com o dinheiro parado, sem utilizá-lo para qualquer finalidade.
Houve caso recente veiculado na mídia, em que, como foi constatado crescimento do patrimônio pessoal do fundador da empresa no período coincidente da apropriação indébita tributária, entendeu-se que restou caracterizada a lavagem de dinheiro, porque houve a ocultação e dissimulação dos valores provenientes da sonegação com transferência para seu patrimonio pessoal.
É, portanto, necessária a existência de ações, dentro de um processo, que demonstrem a intenção do agente em dissimular ou ocultar a origem espúria do valor, como a simulação de transações e de operações. Também a constituição de empresas “de fachada” para movimentar e dar aparência lícita aos valores. Não necessariamente operações complexas, mas q
Não é demais ressaltar que o crime de lavagem de dinheiro exige a presença do dolo, de modo que não é admitida a modalidade culposa.
No geral, a questão é polêmica e complexa. Mas certo que a tendência, nos próximos anos, é que o desencadeamento de operações para apurar esse tipo de crime associado ao de lavagem de dinheiro, se torne cada vez mais frequente, o que demonstra a necessidade de fomentar e aperfeiçoar o debate.
Gabriela Cristina Silveira é advogada na área de Direito Penal Econômico, especialista em Direito Penal e Processual Penal (ABDConst) e mestranda em Direito, Justiça e Desenvolvimento (IDP).
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